Introdução

Desperdício de alimentos é um conceito de definição imprecisa. De modo geral, considera-se desperdício um dos tipos de perda que ocorrem na cadeia produtiva dos alimentos, que vai da produção até o consumo, referindo-se especificamente às perdas deliberadas que ocorrem na comida apta para o consumo, seja por descarte ou pela não utilização. Como muitas vezes pode ser difícil distinguir até que ponto as perdas são intencionais, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) prefere utilizar a expressão abrangente perda e desperdício.

Imagem mostrando uma enorme quantidade de comida sendo disperdicada em uma especie de lixão.

O desperdício de alimentos atinge um terço de toda a produção mundial, cerca de 1,3 bilhão de tonelada de comida. Os principais fatores que causam esse grande desperdício é o excesso de produção e o transporte. Mas há também o desperdício dos alimentos na cozinha da nossa casa.

Segundo a FAO, 54% do desperdício de alimentos ocorre ainda na fase inicial da produção, que são a manipulação pós-colheita e a armazenagem. Os restantes 46% ocorrem nas etapas de processamento, distribuição e consumo.

Todos nós, agricultores e pescadores, processadores de alimentos e supermercados, governos locais e nacionais e consumidores individuais, temos de fazer mudanças ao longo de toda a cadeia alimentar humana para impedir que ocorra, desde já, o desperdício e, não sendo isto possível, promover a reutilização ou a reciclagem - Diretor-Geral da FAO, José Graziano da Silva
Não podemos simplesmente permitir que um terço de todos os alimentos produzidos seja perdido ou desperdiçado devido a práticas inadequadas, quando 870 milhões de pessoas passam fome todos os dias - Diretor-Geral da FAO, José Graziano da Silva

A Europa é responsável por 222 milhões de toneladas do desperdício de alimentos, equivalente a toda produção de alimento na região da África Subsariana.

No Brasil, a maior parte do desperdício de alimentos acontece durante o manuseio e logística da produção. Na colheita, o desperdício é de 10%, durante o transporte e armazenamento a quantidade chega a 30%, no comércio e no varejo a perda é de 50% e nas residências 10% vai para o lixo.

Causas

Em países pouco desenvolvidos as perdas se devem principalmente a limitações de ordem financeira, administrativa, infra-estrutural ou técnica, e não entram propriamente na definição de desperdício, mas cabem na definição geral perda alimentar.

Nos demais países principalmente se deve a fatores culturais ou comportamentais, e à deficiente coordenação entre os agentes da cadeia de produção, distribuição e comercialização dos alimentos. O consumidor valoriza o aspecto cosmético do produto, da fruta, da verdura, se ela está bonita, etc. Se ela está com uma manchinha, ou feia, enrugada, ou se a cenoura não tem aquele tamanho ou formato exato, ela já não serve para o consumo. Então, como o consumidor rejeita, o varejo acaba rejeitando, e o produtor nem colhe. Isso está mudando na Europa e em alguns lugares dos Estados Unidos, mas, principalmente na Europa, existem campanhas públicas para consumir alimentos que não são perfeitos, bonitos, mostrando que a qualidade nutricional está nessa diversidade.

Anualmente são desperdiçados, 41 mil toneladas de alimentos no Brasil, segundo Viviane Romeiro, coordenadora de Mudanças Climáticas do World Resources Institute (WRI) Brasil. Isso coloca o Brasil entre os dez países que mais perdem e desperdiçam alimentos no mundo.

O Brasil está entre os dez principais países que mais perdem e desperdiçam alimento. Estamos falando da cadeia de perda e de desperdício. Perda que tem a ver com a colheita, a pós-colheita, com a distribuição e o desperdício que já vem no final da cadeia, que é no varejo, no supermercado e com o hábito do consumidor - Coordenadora de Mudanças Climáticas do World Resources Institute (WRI), Viviane Romeiro

Segundo Gustavo Porpino, analista da Embrapa, doutorando pela FGV e pesquisador visitante do Cornell Food and Brand Lab, avaliando o caso do Brasil, mostrou como a cultura tem um peso importante no conjunto de causas e como há muito desperdício também entre as classes mais baixas

O País une fatores mais presentes em países pobres, tais como perdas no escoamento da safra devido a infraestrutura logística inadequada, com características comportamentais de consumo mais alinhadas com os hábitos dos consumidores de países ricos", concluindo que "a família brasileira típica gosta de fartura na despensa e na mesa. Quando esse gosto pela abundância é combinado com a preferência pela comida fresquinha, temos um cenário propício a gerar elevado desperdício. As sobras são vistas com preconceito, e isso alimenta o desperdício. Muitas mulheres me disseram que a família não gosta de 'comida dormida' e que o arroz tem que ser sempre fresquinho - Doutorando pela FGV e pesquisador visitante do Cornell Food and Brand Lab, Gustavo Porpino

Estudo da Embrapa, Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, identificou que a preferência das famílias brasileiras pela abundância de comida aliada à aversão pelo consumo das sobras das refeições gera desperdício de alimento e impacta negativamente nas tentativas de economizar nos gastos com alimentação. A pesquisa, publicada na edição de maio do International Journal of Consumer Studies, mostra que o hábito de comprar alimento em excesso e a conservação inapropriada são geradores de desperdício de comida em populações de baixa renda.

A pesquisa, liderada pelo analista da Embrapa, Gustavo Porpino, envolveu 20 famílias de baixa renda da zona Leste de São Paulo e fez parte de um projeto maior com coleta de dados também nos Estados Unidos. Porpino e os coautores Juracy Parente, da FGV, e Brian Wansink, professor da Universidade de Cornell, mostram evidências de que o desperdício de alimento também é um problema bastante presente em residências com orçamento familiar restrito.

Alguns fatores que levam ao desperdício de alimento nas famílias brasileiras são culturais, como gostar de preparar e servir comida em abundância e não desejar reaproveitar as sobras das refeições - Doutorando pela FGV e pesquisador visitante do Cornell Food and Brand Lab, Gustavo Porpino

Uma tendência identificada na pesquisa é guardar sobras na geladeira, mas sem serem consumidas mais tarde. Às vezes, é simplesmente um mecanismo para mitigar a culpa imediata associada com o desperdício de alimentos.

Até recentemente, associava-se o desperdício de alimentos a famílias com mais recursos. No entanto, os estudos encontraram evidências, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, de que as famílias de baixa renda também desperdiçam quantidade considerável de alimentos.

Impacto

As perdas e desperdícios de alimentos representam uma vasta e inútil drenagem de recursos de várias ordens: terra, água, energia, força de trabalho e dinheiro, além de diminuir o bem-estar das pessoas e prejudicar o meio ambiente em geral, elementos cujo valor não pode ser quantificado ou monetizado. O desperdício tem um impacto cultural insidioso, pois a grande quantidade de comida perdida transmite uma impressão de que o alimento é facilmente conseguido e tem pouco valor intrínseco, e por isso pode ser desperdiçado sem preocupações, o que é uma visão profundamente equivocada, reforçando o círculo vicioso das perdas.

problema tem também vastas implicações ecológicas e biológicas, pois a produção de alimentos, sempre em crescimento para atender a uma população mundial que não para de aumentar, requer o uso de sempre mais recursos naturais e implica na morte de uma multidão de animais e plantas por causas diretas e indiretas. Se o alimento é perdido, a biodiversidade foi desnecessariamente empobrecida, os recursos naturais foram usados para nada e os animais e plantas foram sacrificados em vão. Além disso, a decomposição de comida perdida ou desperdiçada emite grandes quantidades de metano e gás carbônico, que estão entre os principais gases estufa, os desencadeadores do aquecimento global, fenômeno que por si tem vastas consequências negativas. Estima-se que cerca de 3,3 bilhões de toneladas de carbono sejam lançadas na atmosfera anualmente pelas perdas alimentares. Paralelamente, a produção, estocagem e comercialização de alimentos tem contemporaneamente feito um uso crescente de produtos químicos altamente tóxicos como pesticidas, fertilizantes e conservantes, além de usar embalagens fabricadas com plástico e outros materiais não-biodegradáveis, ampliando consideravelmente os problemas da poluição ambiental e do manejo do lixo.

Tem ainda um grande impacto econômico, pois comida perdida é dinheiro perdido. A FAO calcula que os custos chegam a 750 bilhões de dólares por ano. Observa-se adicionalmente um importantíssimo custo social, já que grande população no mundo, calculada em torno de 840 milhões de pessoas, ainda sofre de fome crônica. Segundo a FAO, a quantidade de comida perdida poderia erradicar completamente a fome do mundo. Além disso, como os desperdícios especificamente se situam em sua maioria nos países industrializados, que importam muita comida produzida nos países pouco desenvolvidos, onde a fome é mais comum, as perdas concorrem para aumentar a desigualdade e a injustiça social, e ampliam os problemas já existentes de segurança alimentar, saúde pública, desemprego, migrações forçadas, violência e urbanização, entre outros, e podem ser uma causa de desintegração de culturas tradicionais.

Boas Práticas

A redução das perdas e desperdícios de alimentos é uma das frentes de atuação do Plano de Ação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) 2025 para a Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome. O Plano, desenvolvido e executado com o apoio da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, está sendo estruturado em torno dos pilares da Segurança Alimentar e Nutricional. Visa contribuir para a obtenção de resultados que garantam melhorias significativas na qualidade de vida das populações, proporcionando o direito à alimentação aos setores em situação de fome e vulnerabilidade.

O primeiro passo seria a elaboração de um diagnóstico mais recente sobre a questão de perdas e desperdício de alimentos no Brasil a ser realizado por instituições governamentais para a proposição de novas políticas públicas. Outra solução levantada foi o aproveitamento integral dos alimentos, inclusive daqueles fora do padrão de consumo, com a integração das práticas de pós-colheita, de processamento de alimentos e de aproveitamento de coprodutos, para geração de renda e agregação de valor à produção. A capacitação do produtor em boas práticas de manipulação e de transporte e a utilização de restos de comida para compostagem de hortas em áreas públicas e privadas também foram apontados pelos participantes.

Abaixo um vídeo com algumas dicas de como evitar o disperdicio:

O Brasil está em posição mediana no panorama da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura sobre perdas e desperdício na América Latina, mas apresenta boas práticas, como as centrais de abastecimento (Ceasas) e bancos de alimentos, que fortalecem e integram a atuação das unidades de segurança alimentar e nutricional. O grande problema pela frente, segundo disse à Agência Brasil o representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, é que o país ainda tem entre 10% e 30% de alimentos desperdiçados desde a colheita até o consumidor, chegando a 40% em alguns casos.

Algumas boas práticas são:

  • Para minimizar o desperdício deveríamos começar por planejar as compras levando em conta, por exemplo, quantas pessoas consomem um determinado produto e se todas as unidades do produto serão consumidas dentro do prazo de validade.
  • Não compre só por estar barato! Por exemplo, se apenas uma pessoa gosta de abacate em sua casa, então não adianta comprar para toda a família.
  • Tente aproveitar (quase) tudo. Muitas vezes as próprias cascas e talos dos alimentos costumam ter mais nutrientes do que as polpas e folhas.
  • Muitas pessoas não gostam de comer a refeição do dia anterior que foi preparada em excesso. Podemos perfeitamente evitar esse tipo de desperdício agregando novos ingredientes, preparando como um prato de forno, entre várias outras alternativas. Na realidade, existem tantas possibilidades que deixamos a seguir uma lista com exemplos de receitas feitas preparadas com o objetivo de minimizar o desperdício!

Abaixo um vídeo que mostra como reaproveitar restos de alimentos para fazer adubo: